O sono, tal como a fome e a sede, é uma função indispensável à vida e à saúde. É clássica a noção de que dormimos cerca de 1/3 da vida para termos uma boa saúde.
A natureza escolheu que o ser humano, passaria esse período, preferencialmente de olhos fechados, numa posição confortável e horizontal, longe de ruídos ou estímulos que colocassem em causa a tranquilidade necessária para um sono contínuo e consolidado.
Durante o sono, decorrem várias atividades importantes para o equilíbrio fisiológico que designamos de homeostasia.No decorrer do sono, o individuo permanece num estado de consciência alterado, caracterizado por uma lentificação na globalidade dos processos cerebrais, interrompida periodicamente para que um surto de atividade intensa possa integrar mecanismos essenciais, por exemplo, para a aprendizagem e memória e capacidade de resolver problemas. Este surto, corresponde geralmente ao sono que cursa com aqueles sonhos de que nos lembramos, e porque os olhos se movimentam de forma brusca durante o mesmo, designou-se de sono REM (Rapid Eyes Movement, do inglês) em contraposição com o período de maior lentidão coincidente com o que designamos de sono profundo no contexto do sono NREM (Non-Rapid Eyes Movement).
No sono NREM, que em pessoas saudáveis tem o seu máximo concentrado na primeira metade da noite, diminuindo à medida que o tempo de sono decorre sem interrupções, são libertadas hormonas e substâncias importantes para a regulação de distintos processos. A hormona de crescimento é um dos exemplos mais claros e porque ela é produzida sobretudo no sono NREM, que ocorre em maior quantidade nas primeiras horas de sono, o ditado “Deitar cedo e cedo erguer dá saúde e faz crescer” é bem adequado à realidade, não só do crescimento, mas também da regulação de funções que dependem dela, como por exemplo, a cardíaca e a metabólica.
Por outro lado, o sono REM, cuja concentração máxima é identificada durante a madrugada e últimas horas de sono, traz-nos, também, para além do “cinema” que os sonhos alimentam, substâncias importantes, cuja libertação possibilita a passagem de memórias de curto prazo para as “gavetas” que armazenam memórias que nos permitem lembrar, a longo termo, dos erros que cometemos, das coisas boas que fizemos e do que vamos assimilando e aprendendo no dia a dia.
Em conjunto com a maquinaria complexa da parte anterior do cérebro, estes processos permitirão a conjugação de alguns valores sociais que assumimos, de forma a conseguir definir o que é certo ou errado, o que é bom ou mau. A isto chamamos de julgamento crítico, que é, como se compreende, indispensável à vida em comunidade.
O sono pode ser interrompido por diversos motivos, mas diferentes doenças são importantes contribuintes para um sono de má qualidade e consequentemente para uma vigília de comprometido rendimento.
A apneia obstrutiva do sono constitui uma das principais doenças do sono no adulto e em idade pediátrica. Os episódios de supressão respiratória que caracterizam a apneia do sono são recorrentes e, normalmente, associam-se à redução do oxigénio transportado pela hemoglobina para fornecer os diferentes tecidos e órgãos. O coração aumenta a frequência do seu batimento numa tentativa de compensar, enquanto a pressão arterial se eleva. Um dos sinais mais característicos é o ressonar persistente, embora muitas pessoas que não ressonam tenham também a doença.
A este conjunto de acontecimentos podem suceder arritmias, crises hipertensivas e alterações metabólicas várias que predispõem para a fragilidade da função cardiometabólica. O cérebro dormente, ao detetar esta falta de oxigenação adequada, desperta, ainda que a maior parte do corpo permaneça “sonolenta” ou adormecida. Desta fragmentação, também recorrente, resulta um prejuízo de funções como aquelas associadas à regulação de certas hormonas que determinam o apetite e a saciedade. Por este e por outros motivos, aumenta a predisposição para a obesidade e para a diabetes, relevantes condições clínicas de risco no mundo atual.
Do sono fragmentado e não reparador, resulta um cansaço aumentado e um grau de sonolência, muitas vezes desvalorizado, mas evidente, com comprometimento da atividade diurna, no contexto social e laboral, intelectual e físico.São doentes que se tornam menos produtivos, mais irritáveis e com alterações frequentes das capacidades cognitivas, nomeadamente da concentração e da memória. São doentes que, em comparação com pessoas saudáveis, têm mais frequentemente acidentes de viação e mais quedas, aumentando o risco individual, coletivo e determinando mais custos ao nível da saúde, quer associados à doença, quer associados às comorbidades que habitualmente a acompanham. Nas crianças, o défice de atenção e um comportamento hiperativo são sinais e sintomas comuns da apneia do sono que resultam em dificuldades na aprendizagem e redução do aproveitamento escolar.
O Pai Natal da história, espelha bem o “típico” paciente adulto com suspeita de apneia do sono. O cansaço e a sonolência levaram-no constantemente a um sono interrompido e, por isso, incapaz de cumprir as funções que lhe são destinadas.O seu “ronco”, que interrompe a concentração, o trabalho e provavelmente também o sono dos Elfos, assim como as pausas respiratórias que assustam os que, observando, chegam a duvidar da vida do velho senhor, são sinais de que a respiração normal não está a ser feita.
E, ao interromper sistematicamente os normais processos de sono, as apneias aumentam a sensação de cansaço durante o dia, levando também à sensação de um sono não recuperador e de um cansaço extremo, para além da sonolência, mesmo após dormir algumas horas. Muitos pacientes com apneia têm também como consequência ou de forma independente, insónias, alterações dos ritmos e distúrbios motores como o bruxismo. Todas contribuem para o perpetuar das dificuldades no sono e para o aumento dos riscos associados.
É certo que uma das atitudes mais inteligentes perante as doenças evitáveis é a prevenção. Embora existam fatores que possam contribuir para a apneia do sono sem que se possa ter grande atitude preventiva, outros, que são, aliás, os mais frequentes, podem ser facilmente evitados com base em mudanças comportamentais e no estilo de vida.O excesso de peso é, com muita frequência, um desses fatores que pode ser corrigido com a implementação de uma dieta saudável e com a prática de exercício físico. Para além disso, é necessário a contenção sobre alguns comportamentos que podem potenciar ou exacerbar a gravidade da doença.
Entre eles está o consumo de álcool, tabaco, alguns fármacos e drogas. Por isso mesmo, o Pai Natal decidiu iniciar a prática de exercício e uma dieta, preferencialmente orientada. Na grande maioria dos casos, porém, existe a necessidade de um complemento terapêutico que pode depender de aparelhos diversos ou até de cirurgia que ajudarão a melhorar a respiração durante a noite.
O Pai Natal da história, vai provavelmente manter a apneia do sono, com um ressonar frequente, com a sonolência diurna, e com a possibilidade de erros multiplicados, afetando, como se entendeu, a sua vida, mas também o sono e a vida da Sra. Claus e de muitos que se cruzam no seu caminho. É absolutamente recomendado, ao Pai Natal e a todos os pacientes que tenham estes sinais e sintomas, a consulta com um clínico, especialista em Medicina do Sono, para os orientar e ajudar a perpetuar o Natal na terra dos Homens.
Miguel Meira e CruzEspecialista Europeu e Internacional em Medicina do Sono